Texto: Laís Franklin
Fonte: Site Vogue Brasil
A primeira vez em que tive consciência de que era uma mulher negra foi lá pelos 15 anos. Na época, para além de nenhuma das bases das minhas amigas funcionarem em mim quando íamos nos maquiar juntas e de me perguntarem constantemente por que eu não me jogava no milagre do formol e fazia uma escova progressiva no cabelo, o estalo veio mesmo quando o garoto que eu ficava - aka uma das minhas primeiras paixões adolescentes - me mandou uma mensagem pelo MSN (sim, na época que o Motorola V3 bombava e WhatsApp nem existia) “explicando”, que a gente nunca poderia namorar porque os pais deles não iam aceitar a minha cor.
A mensagem veio quase como em tom de desculpa e lamento: “Poxa, se não fosse isso, a gente poderia contar para todo mundo. Você sabe o quanto eu gosto de você”, me dizia. Mas veja, ele achava que o problema não era ele, “que até beijava uma mulher negra”, o problema estava no outro – culpabilizar outra pessoa pelo seu ato introjetado é mais cômodo. Naquele caso, os outros eram seus pais “antiquados e sem noção”, como ele me escreveu.
Lembro que me tranquei no banheiro de casa e chorei por horas seguidas, me perguntando o motivo pelo qual eu tinha vindo na cor errada. Um defeito de cor. Comparava as pessoas que via no metrô e me perguntava quanto a minha vida seria diferente se eu tivesse nascido um pouco mais clara.
É que o racismo, além de privar muitos momentos de afeto, te faz questionar a própria existência. Ele é a marca da diferença e segregação no jeito mais cruel possível. Opera no detalhe na nuance e, muitas vezes, é um ato silencioso. Acredite, dificilmente recebo xingamentos de baixo calão que reforcem o preconceito no fenótipo como macaca ou preta suja, mas constantemente sou lembrada que minha cor gera um incômodo ao circular por espaços de poder – e consequentemente de uma maioria branca – seja nos colégios particulares em que sempre tive o privilégio de estudar, ou nas festas e restaurantes que frequento.
Nossas referências, por mais que estejam mudando aos poucos, ainda são europeizadas e o olhar já está condicionado a ver uma pessoa negra na posição de servente e não de consumidora. É quase automático. E para mudar isso, é importante se questionar nos atos cotidianos mais simples. A sensação é bem aquela que Elisa Lucinda resume brilhantemente na série Diálogos Ausentes (2017):
“O que eu sinto de ruim é um olhar que diz assim: ‘O que você está fazendo aqui? Aqui não é o seu lugar’. Isso não é flagrável, pode se confundir com paranoia e além disso, você não tem como provar mesmo. É muito difícil, mas todo mundo que é preto sabe o que é”
Meu exemplo mais recente foi em Nova York, durante as minhas (muito aguardadas) férias deste ano. Fiquei lá 9 dias e fui confundida com uma vendedora de loja em 3 momentos diferentes. Detalhe: nas duas primeiras ocasiões eu estava com um vestido creme enquanto todos os vendedores, uniformizados e com crachás, estavam de preto.
A verdade é que ninguém quer ser racista. Pega mal ser acusado de tal ato, que inclusive é crime. Mas muitos, assim como o menino por quem eu era apaixonada aos com 15 anos, preferem culpar o outro ao invés de assumir e entender a origem, e principalmente o motivo, do próprio preconceito introjetado. Que este 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, data que homenageia Zumbi dos Palmares, pernambucano que teve a liberdade interrompida aos 6 anos ao ser escravizado, seja um dia para celebrar conquistas da cultura negra e refletir atitudes (seja você negro ou não). É um dia para se questionar – e se manter alerta o ano todo.
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